No teu deserto
Acabei, hoje de manhã, "No teu deserto", de Miguel Sousa Tavares.
Alheando-me de tudo o que já li sobre o livro, direi o que senti e sinto: "No teu deserto" era o livro que me faltava. Daqueles livros que não me podia passar ao lado, ou seria uma imensa perda...
O encanto, a paixão, começou há uns bons anos com "Sul", sempre e hoje um dos meus livros favoritos. A minha edição é velhinha, ainda com a lombada rosada, edição Circulo de Leitores. Deixei-me levar ao correr das páginas e viajei com ele, por tantos lugares, e acabei a fazer a travessia do Sahara: logo ali a pés juntos jurei que não morria sem fazer o deserto. De todos os relatos de viagens contidos no livro, aquele arrebatou-me.
E eis que agora me entra pela vida dentro (sim, pela vida), neste quase-romance, um postfácio a essa mesma estória, num registo tão intimista quanto Sousa Tavares nos habituou já na sua escrita (nomeadamente em "Não te deixarei morrer David Crocket", outra pérola). E a intenção não será que a estória fique mais completa, é só dizer o que não se disse, dito na altura em que urgiu fazê-lo. Agora.
Sousa Tavares embala-me nas palavras que escreve, e neste livro, só neste livro, tropecei em duas pedras, uma figura de estilo e uma frase a mais, aplicadas de maneira que me pareceu ocasional, fruto de uma qualquer distracção do autor. Mas nada é por acaso, e se mais não for, esses dois buracos na estrada têm o condão de nos prender mais á narrativa, como um estalar de dedos "ei, estás a ouvir, não estás?".
Quanto à minha travessia do Sahara, bom, digamos que neste momento encerraria uma aventura muito maior, para além dos "desastres" naturais: a politíca e o fundamentalismo transformaram o sonho da travessia nisso mesmo: um sonho.
(e cá entre nós, não é preciso ir ao Sahara para fazer a travessia do deserto...)
Amado ou odiado como ele só, Miguel Sousa Tavares faz-me falta. Como Rodrigo Guedes de Carvalho e Lobo Antunes. Cada um de sua forma, todos me são imprescindíveis.
Fátima