O prédio onde (ainda) vivo...
Um dia destes, o Vítor chegou a casa e disse-me: “Olha, está um presépio, ou o que é, ali no patamar das nossas escadas!” “AHN? Quando eu cheguei a casa (30 min. antes) não estava lá nada… “. Acto contínuo tive de sair, abro a porta de casa e deparo-me com uma jarra de faiança a imitar porcelana (arrrghhhh!) em cima da caixa da conduta de gás natural. Cheia de flores de plástico cor-de-rosa, um mimo!
Até congelei.
E depois lembro-me que no fim do mês estou a fazer a mudança, e que não vale a pena estar com preocupações. Encolho os ombros, e preparo-me para descer as escadas quando deparo com uma camilla sem “saia”, mas com um lindo naperon bordado. Em cima, estavam dispostas uma boa dúzia de casinhas em miniatura, e no meio um jogador do Benfica em barro das Caldas (‘tão a imaginar a cena?). Q'ais presépio q'ais quê, aquilo era um disparate dos mais insólitos que vi. Voltei a encolher os ombros e disse a mim própria: agora é que não lavo mesmo a escada. E segui escada a baixo. Chegada ao átrio, eis senão quando me cruzo com a decoradora “a mesinha ali não estorva, pois não?” “ não, deixe-a lá estar!” “é que eu não tinha sítio para a meter em casa, e pensei que ali sempre dava uma certa graça à escada…” “’tá bem, deixe ficar assim!”
Saio para a rua, e quando dou por mim estou a revisar os habitantes de cada andar do meu prédio. O 3º andar mudou de mãos há uns meses, mas reportei-me à antiga proprietária. O edifício tem 4 andares, com uma habitação por andar.
E então é assim:
Começando por baixo, temos a depressão do rés-do-chão. É dos casos mais (e desculpa lá a expressão, amigo…) mais fascinantes com que me pude deparar. Já dura há três anos, e tem tido altos e baixos, e nuances menos comuns, que eu, como embrião-de-aprendiz-de-psicóloga digo, sinceramente, ser o género de caso que adoraria acompanhar quando profissional.
A depressão do 1º andar: tem 28 anos de vida, com volta e meia umas coffee breaks de um ou dois meses. Controlada pela medicação que toma, faz uma vida perfeitamente normal e a família já se habituou às fases mais difíceis em que ‘a cama é a melhor amiga da mulher’.
A depressão do segundo andar: caso típico de solidão a empolar um problema que vem muito de trás. O marido era alcoólico, até que faleceu de cirrose hepática. O filho assumiu o papel do pai e proibiu a senhora de refazer a vida. Ela obedeceu (?!!!!), entretanto o filho sai de casa, e ela agora está completamente sozinha, que passam meses e meses sem que o filho e a nora a visitem. Não consigo dizer quantos anos tem a depressão, mas aposto que muitos. Agora está a atravessar uma crise aguda, daí os arroubos de decoradora…
A “depressão” do 3º andar: o único caso que não era depressão. Pensei eu que fosse esquizofrenia ou psicose. A senhora nunca precisou de fazer nada na vida, nem fora nem dentro de casa, e entregou-se completamente à ‘doença de nervos’ que tinha. Foi acompanhada durante muitos anos por um psiquiatra espanhol em Badajoz (não resisto a afirmar, pedófilo, e infelizmente, que eu saiba, nunca denunciado…), que entretanto se reformou. Volta e meia davam-lhe umas “coisas” e ia em braços para o hospital, em que lhe davam 10 mg de Valium na veia e a mandavam para casa. A última “coisa” que lhe deu foi quando o filho (que juntamente com o marido fizeram de ama seca durante anos e anos… o filho, quase com a minha idade, desde que nasceu…) disse que ia sair de casa. Conveniente, portanto. Uma amiga com quem ela se zangou diz que as “coisas” lhe davam quando era contrariada. Portanto a esquizofrenia ou psicose hipotéticas podiam ser só uma neurose hiper valorizada de uma senhora mimada, que dava muito jeito à conta bancária do Senhor Doutor pedófilo…
Enfim…
E aí está o panorama do meu prédio: podiam chamar-lhe “a gaiola dos malucos”, que não fugia muito à verdade!
Uma maluca já se foi embora (depois de comprar um Mercedes com um porradão de anos, mas em óptimo estado, e uma vivenda - que afinal é um andar - fez a mudança de noite e ficou a dever dois anos de condomínio…) a outra vai no final do mês… agora a dúvida instala-se: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Será que os que vêm ocupar o lugar dos que vão, são sãos e acabam malucos? Ou será que já são malucos por contingência, e só malucos é que vêm para aqui? Ou será que pouco a pouco os malucos vão sendo substituídos por pessoas normais?
UUUHHHHH!........
Duvidas muito apropriadas para o Halloween…
Fátima
P.S.: A mesinha desapareceu durante umas horas e reapareceu aperaltada como uma camilla a sério: saia até os pés, e sem “Zé Tolas” do Benfica - alguém lhe deve ter explicado o que aquilo era…