E foi que, em meio ao que mencionei no post anterior, nas minhas últimas noites, vi o "Gran Torino".
Ok, o fime vale assim 6 ou 7 estrelas, em relação às 3 ou 4 que dei aí embaixo, por tudo o que mostra e o tanto que não mostra, pelo que diz, e pela enormidade que fica calada e entranhada em cada fotograma, como se no fim de tudo, a redenção de um homem que não tem de que se redimir fosse a redenção de nós todos os que os vemos e entranhamos.
Mas "Gran Torino" é mais de que tudo isso: é Clint Eastwood, não vou dizer no seu melhor, e já explico porquê, mas repito, é Clint Eastwood. E essa é uma chancela de qualidade que o próprio criou, quando decidiu que "agora só vou fazer o que quero".
E o que ele quer, é bom. mas quando ele faz, fica perfeito, sublime.
Veja-se o recentísimo, também, "The Changelling", em que o seu nome foi injustamente omitido das nomeações para melhor realizador, para a estatueta dourada - e é por estas que a dita vai perdendo o brilho...
Eastwood pega numa estória real, ocorrida na sua infancia, e resolve levá-la ao grande ecran. Mas sem qualquer especie de facilitismos, nem apelo ao melodrama nem à lágrima fácil, lamechísse em que muitos não resistiriam cair - e que por isso, provávelmente teriam o nome inscrito entre os 5 magnifícos de 2008.
Em "The Changelling/A Troca", Eastwood faz-nos uma visita guiada pela dor de quem perde um filho, a quem o "estatement" quer tirar a sanidade em nome da prepetuação da mentira pela boa imagem de si próprios, e que consegue ir até ao fim em busca de alguma justiça que pura e simplesmente, depois de alcançada, se sente que não é possível. Duas horas depois, saímos da sala sem conseguir articular pensamento coerente, e com a sensação de que nos passaram uma lixa fininha pela pele. E não é qualquer um que consegue isso, assim, como quem não se esforça, assim como quem não está a dizer nada, não está a tentar provar nada, só está a contar como foi, sem juízos de valor nem apontar de dedos, quem vê que pense, que os miolos também devem ser usados.
Em "Gran Torino", corre essa mesma liberdade de análise, em que o que parece nem sempre, ou quase nunca o é, e em que o "medo" do desconhecido, às páginas tantas nem existe, e em que o ódio pela raça não é mais de que um penduricalho no retrovisor do veículo que é a sua vida. O "cenário" do filme apresenta-nos um ex-combatente da guerra do vietname racista, vivendo num bairro rodeado de vietnamitas por todos os lados. Mas nada é, de facto o que parece. Nem o próprio, que aparentemente amolece ao longo do filme, perdendo as camadas, uma a uma, encontrando-se na confissão que finalmente faz e que demonstra que ele pode ser eu, tu ou o vizinho do lado. E essa evidência ao invés de nos fazer sentir pequeninos, faz-nos sentir com o valor de um ser humano de verdade.
Habituei-me a este Clint Eastwood, já que não vi nenhum Dirty Harry, nem tive curiosidade em fazê-lo.
Este Clint Eastwood que ficará na história do cinema com um palmarés venerável, que reconheço desde o "Intocável", "Um Mundo Perfeito", "as Pontes de Madison County, "Cartas de Iwo Jima", "As bandeiras dos nossos pais", "Mystic river", e o premiado "Million Dollar baby"... até agora, passando por tantos, passando ao lado dos desejados blockbusters, ou acertando-lhes por mero acaso, que não é, nem nunca será nesse sentido que ele trabalhará.
E é por isso que escrevi acima "(...) é Clint Eastwood, não vou dizer no seu melhor, e já explico porquê(...)": ele está sempre no se melhor. Faça o que fizer.
Existem duas formas igualmente eficazes de ver um filme com a sua assinatura: com os miolos em on ou em off. E resulta de qualquer das duas maneiras.
Em off: a estória é simples, os personagens estão lá, há o bom, o mau e o vilão, e pronto, a justiça é feita, de uma maneira clara. The end.
Em on: a estória é simples, os personagens estão lá, há o bom, que, olhando bem, nem é assim tão bom, o mau, que até não é assim tão mau, e o vilão, que se calhar até tem uma explicação para tal vilania, e pronto, a justiça é feita, o que por vezes não resulta na prática, mas só na teoria, o que nos faz pensar e duvidar do óbvio. The end.
É este o Eastwood que eu admiro. Que me puxa pelos neurónios quando estes estão perros. Que me faz acreditar que se pode fazer Bom cinema, "no matter what". E que já conta no palmarés com a dita estatueta, e com alguns blockbusters, no final de tudo. A fazer o que gosta.
G'anda Homem!