Ontem, o meu marido viu-me parada nos semáforos. Invariávelmante, quando paro na transição do laranja para o vermelho, encosto a cabeça ao punho fechado, com o cotovelo apoiado no rebordo interior da janela. O Vitor viu e pensou "já aconteceu porcaria..."
E quando chegou a casa, perguntou-me o que tinha acontecido, que estava xôxa. E eu, saco daquela que parece ser uma das mentiras mais repetidas por ambos os sexos, e respondo, nada, estou só cansada. Não era que fosse mentira... mas também não era verdade.
Tenho para mim que esse joker, "não se passa nada", a carta que jogamos sempre que não temos trunfo, a grande maioria das vezes não é mentira nenhuma... ou a ser, estamos, também a mentir a nós próprios: porque não sabemos o que estamos de facto a sentir, e por isso não conseguimos responder à pergunta feita de forma cabal.
Acabei por alegar, mais tarde, estar apreensiva em relação ao trabalho... o que era verdade... mas também não era isso.
E depois cheguei bem mais perto do cerne da coisa - no jogo "quente-frio" que jogava em miúda, diria estás a aquecer...a aquecer... - e disse que a situação X me estava a aborrecer. Só de pensar "no trabalho que ia ter"(a arrefecer, a arrefecer...) para cumprir a terefa que me tinha proposto (a aquecer outra vez...)
A questão é a seguinte: ando às voltas com uma questão bastante sensível, e que me tem criado bastantes aborrecimentos. Quem me lê há algum tempo sabe que no que me diz directamente respeito, eu até me faço de totó para evitar conflitos de maior, quando não se justificam, mas quando envolve os meus filhos, as coisas azedam. Azedam, e não só.
E já lá dizia a Mae West: "When I'm good, I'm really good, when I'm bad, I'm better!" E eu consigo mesmo ser má. Mesmo muito má.
E isso é francamente assustador.
E ontem, de manhã, quando enviei aos envolvidos, um email a descrever os passos que ia dar (por forma a tentar resolver o assunto sem ter de o fazer), pude ver de fora, a abrangência do "plano". E com a certeza de que iria dar certo, independentemente do preço, tomei consciência de que quando desse inicio à marcha, a máquina não pararia. Porque ás tantas o ego ocupa o lugar do condutor, e o que começou por ser tão só e apenas a necessidade de remover obstáculos e facilitar o caminho da minha filha, acaba por se tornar pessoal, e a prioridade passa a ser não me fazerem passar por parva, e não saberem do que eu sou capaz. E junte-se o não querer, não admitir sequer a hipótese de sair derrotada, sabendo que tenho meios, físicos e intelectuais para, qual bulldozer, deixar atrás de mim um rasto de terra queimada.
Estou a ser lírica? Talvez sim, ainda não li o que escrevi. Se estou a ser, é para dourar a pílula, que este processo de bonito não tem nada.
Em tempos (se calar nem tanto assim...) idos, poder-se-ia chamar a este processo, fazer um pacto com o diabo. E assim sendo, como escrevi no título do post, o diabo somos nós. Trata-se fundamentalmente de aceitar o nosso lado "negro" e deixá-lo tomar controlo.
[Atenção, que eu não estou aqui a falar em termos metafísicos, ou espirítistas, ou quejandas; todas as religiões, e culturas ancestrais lhe deram um nome diferente. Todas sempre tiveram presente o Bem (deus, buda, Jesus) e o Mal (e agora só me lembro mesmo do demo, Lúcifer, o demónio, Satanás, e acho que estas versões derivam todas do cristianismo...). Já eu vou mais pelo mais pragmático Einstein, que considerava que tudo é energia, positiva e negativa - afinal, para produzir faísca tem de haver um polo negativo e outro positivo a establecerem contacto entre si, certo? E por essa ordem de ideias, enquanto seres vivos, somos formados por energia].
Parêntesis à parte, sinto-me francamente em risco de ficar envenenada. Sério. A minha memória (e não é assim que os psicólogos lhe chamam, mas torna-se mais preceptível) é fundamentalmente visual. E quase que "vejo" o sangue nas minhas veias a correr mais escuro (é claro que isto tudo em sentido figurado, não estou a ficar xéxé, ok?).
Tomar consciência dessa força que temos dentro de nós é quase como levar uma injecção de adrenalina directamente no coração. Lembro-me que quando era mais miúda, até sentia os batimentos cardíacos mais fortes... mas sempre me acobardei, e realmente nunca usei esse lado - em que Sun Tzu e Maquiavel foram mestres - em meu favor. Lembro-me de uma vez ter arquitectado um plano para uma amiga minha se vingar do ex-namorado, e este ter resultadeo em cheio... e de me ter sentido assim quase invencível. Mas por mais embriagante que a sensação fosse, não quis repetir a experiência.
Agora, e levada pela situação, e pela mentira e bluff evidentes (neste caso, um perfeito exemplo de bola de neve), apresenta-se uma situação de contornos imensos. E abriu-se mais uma vez a minha Caixa de Pandora. E então, em termos "visuais", imaginem uma coluna de fumo a escapar na vertical e eu agarrada a ela e a puxá-la para dentro da caixa. e ao mesmo tempo, a começar a ficar atordoada pelos gazes tóxicos que dela emanam...
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Pois é exactamente isso. E a verdade é que eu não quero seguir em frente, mas não posso voltar para trás. Por ironia, a decisão passou para as mãos dos outros intrevenientes na questão, não tendo os mesmos consciência do que está em jogo. E eu faço figas para que a situação se resolva sem que seja necessário deixar a besta acordar totalmente.
É, friamente, fácil atingir objectivos sem olhar a meios. E neste caso especifico, eu só necessito de usar factos, de me cingir à verdade, mas como não existe forma de ir a jogo sem andar uma passo a frente, sem antecipar o passo seguinte do outro, é esgotante. E eu não sou assim, calculista e manipladora. Mesmo nada.
Todos temos, insisto, esse lado obscuro, mais ou menos adormecido dentro de nós. É o que nos ânima como instinto de sobrevivência, o que fez os outros comerem cadáveres para sobreviver. Mas em situação ideal, poderá parar uma vida inteira sem que haja necessidade de lhe recorrer.
Espero, sinceramente que este seja o caso.