No dia 8, a Sic transmitiu uma grande reportagem sobre como "dar a volta à crise", ou coisa do género. Contava a mesma com a intervenção de Helena Marujo, professora de psicologia positiva na Universidade de Lisboa, com alguns livros já publicados assentes no optimismo (assunto que também invadiu os números de Janeiro das revistas femininas... e não só), que, com os seus enormes olhos azuis dizia que quando pergunta a alguém o que é que o/a faz feliz, a grande maioria não sabe responder. Nem sequer a 'quando é que se sentiu feliz pela última vez?', ou simplesmente 'quando é que se sentiu feliz?'. É triste, não é? Mas façamos lá o exercício: páre de ler e vá à procura nos recantos da sua memória (se necessário) da resposta à primeira pergunta. Não encontrou? Passe à segunda. Pronto, à primeira. É assim um bocadinho difícil, não é?
Tive o imenso prazer de assistir a uma palestra dada pela mesma há uns quatro ou cinco anos, em que dizia que quando lhe ligam, a primeira coisa que faz é obrigar a pessoa do outro lado a dizer-lhe duas ou três coisas boas que lhe tenham acontecido durante esse dia. E uma amiga da mesma, presente, confirmou. Digo eu (ela provavelmente também terá dito, tal como tanta, TANTA gente) que o nosso mal é o ritmo a que funcionamos. Nem temos tempo para reparar no que nos acontece, quanto mais tomar consciência das, quase sempre pequenas, coisas boas!
Na reportagem, Helena Marujo falou de um pequeno exercício que costuma fazer, bastante simples: pede à pessoa para dizer o que gostaria de ter escrito no seu epitáfio. Isso obriga a pessoa a reorganizar-se por forma a dirigir a sua vida nesse sentido. Julgo ter lido num livro de coaching sobre um psicólogo que pedia que escrevessem o seu epitáfio, entre sessões.
Bom, mas vem isto tudo a propósito de, há uma semana eu ter dito ao Vítor "estive a pensar, se eu morresse agora, na minha lápide só constaria uma coisa: mãe". Depois pensei um bocadinho e acrescentei: "pronto, 'Uma mãe (quase) perfeita' [uma das coisas que me fazem conseguir dizer isso sem falsa modéstia, é que eu sei que os meus filhos removiam a palavra entre parêntesis]. Para 43 anos de vida é poucochinho, não é?". E, vai daí, fiquei a macerar o assunto.
E como o que nos faz falta é mesmo pensar nas coisas além da superfície, fui chegando a umas quantas conclusões. Primeira: se voltasse atrás, voltava a fazer exactamente o que fiz. Eu sei que é politicamente correcto dizer isto, mas é mesmo verdade. Assim como, quando fui confrontada com o facto de ou a avó ir para minha casa ou para um lar, apesar de estar a trabalhar num dos trabalhos de que mais gostei até hoje, e me ter demitido para ficar com ela, eu não hesitaria em voltar a fazer o mesmo. Porque a minha vida assenta fundamentalmente nos afectos e nas emoções, e a minha avó foi a minha mãe durante toda a minha vida. Talvez um dia se desbloqueiem algumas memórias e eu me lembre de alguma maternidade activa por parte de quem de direito, para além das vezes em que, às duas da manhã, por eu não conseguir dormir por causa dos pensamentos recorrentes da depressão, andar a passear de carro comigo...
Sempre me pautei um bocadinho por isso... seria incapaz de não tentar pelo menos retribuir um pouco da atenção e do carinho que a avó me deu (e acho que falhei redondamente, a minha filha tinha sete anos, o meu filho dois e meio, e eu ia dando em maluca com os três em casa o dia todo...). Acabei com uma valente crise depressiva, e um "... e se..." que me acompanhou alguns anos.
No entanto, agora olho para trás, a frio, e a verdade é que a coisa que me definiu como pessoa foi a maternidade - não estou aqui a defender que ser mãe é o propósito supremo de ser mulher, e a sua realização absoluta enquanto tal (quem me conhece estará a rir a bandeiras despregadas), nem pouco mais ou menos! - mas no MEU CASO, foi o que me fez ver como pessoa, com um propósito na vida. E o meu maior pavor era deixar a minha filha, ou o meu filho com alguém, e um dia descobrir não só que essa pessoa a/o conhecia melhor que eu, mas que ela/ele gostavam mais dela que de mim. E não conseguiria suportar não dar a primeira papa (não dei, eheheh... alguém tinha de usar a máquina fotográfica! À Inês foi a minha avó que deu, ao Tomás foi a avó paterna), de receber o primeiro sorriso, assistir ao primeiro sentar sozinha, gatinhar, aos primeiros passos. Não abdicaria por carreira nenhuma, de ter amamentado os meus rebentos até eles quererem (ela até aos 2 anos e meio, ele até aos três). Não trocaria o estar à mão para desabafos, lágrimas, gargalhadas, conversas profundas e disparates imensos, daquele de fazer cair da cadeira a rir. Não abdicava da primeira consulta no ginecologista, do esclarecimento de dúvidas "entre mulheres" (em que às vezes recebia informação a mais, mas enfim). Nem da descoberta que AFINAL não era assim tão diferente com o Tomás por ele ser rapaz, que a cumplicidade se manifestava igual (embora com uma maior preservação da sua privacidade - duh!).
Por isso, o meu epitáfio não seria poucochinho, não senhores. Seria o epitáfio de uma privilegiada que escolheu investir nos afectos e no aconchego, na segurança emocional e protecção das crias. Que ajudou e ajuda a ganhar armas para serem gente com G maiúsculo. O meu primeiro diploma, da 'Universidade Inês', já recebi, e é suma cum laude. O segundo há-de vir a seu tempo, com ainda alguns momentos de turbulência pelo caminho, mas nada que não seja normal e espectável.
E a vida é curta demais para perdermos tempo com adereços que nos distraiam do que é importante. mas tem "tamanho" suficiente para acrescentar uns pozinhos ao epitáfio. A seu tempo.
p.s.: se fizeram o exercício do inicio o das 'tres coisas que te deixaram feliz hoje', e 'o que te faz feliz', deixem as respostas nos comentários. Eu vou lá pôr as minhas... cusquem!