Ciúme e reforma, ou O post mais machista que escrevi na minha vida, e nunca pensei vir a escrever...
Há uns dias atrás ouvi uma conversa que me deixou a pensar. Uma senhora dizia a outra que o marido era muito ciumento, e desde que se tinha reformado, era um inferno; quando de manhã ia à praça e demais errands – parece-me bem aqui a palavra recados - ao chegar a casa era sujeita a um interrogatório ao jeito da Gestapo nos seus melhores dias: porque é que demoraste, onde é que foste, com quem é que falaste (esta, eu achei um mimo). E a senhora forçava um ar incomodado, que é um desassossego, num indisfarçável orgulho de quem se sente desejada.
Fiquei, como disse atrás, a pensar no assunto.
Vamos dividi-lo por partes:
- A reforma – não há (é que não pode mesmo de haver) quem entre na reforma de ânimo leve. E isso é perfeitamente compreensível: é como se a sociedade passasse um papelinho a dizer 'fora de prazo', e nos remetesse para a prateleira da vida. No caso das mulheres, não me parece tão dramático como no dos homens, por vários motivos: a sociedade ainda não enraizou nelas (em nós) a ideia de trabalho como principal finalidade da vida. Estamos afincadamente no mercado de trabalho há perto de cem anos – o boom deu-se aquando das Guerras Mundiais, pelo que é relativamente recente. Mais: temos o poder (sim, sim, o poder) de gerar vida, o que nos atribui, sem mais delongas e por defeito, uma missão; somos mais pró-activas, pelo que descobrimos sempre qualquer coisita para fazer. E, claro, há aquela coisa que a sociedade ainda remete para as mulheres: o trabalho doméstico. Os homens já vão dando o seu contributo, mas só a partir da minha geração. Há coisa mais irritante de que o 'queres ajuda'? Ajuda pressupõe que a tarefa é minha, e que o outro se disponibiliza para ajudar, já que não tem essa obrigação...
Por isso, um homem quando se reforma sente-se assim um bocadinho como uma mulher na menopausa: e agora o que é que eu faço, para que é que sirvo (desculpem, mas não acredito que isso não passe pela cabeça de todas, pelo menos umas vezezitas). É dose. E depois inventam. É o 'o que é que estas a fazer?' repetido à exaustão, o que é que há para eu fazer (os miúdos fazem a mesma pergunta...), o caso da senhora mencionada acima...
- O interrogatório – o interrogatório a que o esposo da senhora acima sujeita a mulher diariamente mais não é que o desespero de tentar segurar o que lhe resta. Primeiro é assustador que além do emprego possa perder a mulher (é similar ao que as crianças sentem quando se sentem abandonadas por alguém importante na sua vida, na justa medida), i.e, a família, o lar. Depois, colmata a necessidade de sentir controlo sobre algo, neste caso específico, alguém. E depois pode manifestar uma necessidade de viver a vida por interposta pessoa – onde é que foste e com quem falaste (só falta o de quê, que me 'cheira' que o senhor em causa também perguntará) mais de que ciúme pode demonstrar simplesmente curiosidade.
- O ciúme – o ciúme é lixado... como já referi atrás, prender-se-há (prende-se sempre) com necessidade de exercer controlo sobre o outro. Porquê? Por medo. Medo de rejeição, receio de perda do que sempre considerou seguro, e do que até ali desconhecia (e para mais, sabia lá o senhor que a mulher saía todos os dias durante aquelas horas!).
Ora nada disto é dramático quando a esposa em questão sente essa 'atenção' como lisonjeira, como era nitidamente o caso da senhora que ouvi. Com a idade em questão – mais de 65 anos, que é a idade da reforma atualmente – provavelmente não estava à espera de ser alvo de desconfiança, o que lhe reforça a autoestima, e lhe diz a) que é desejável e b) que é desejada.
Mau, mau, é quando a senhora é ciosa da sua independência e liberdade e sente que o outro está a invadir o seu espaço - eu sentir-me-ia assim. Temos, nesse caso o caldo entornado, e muita discussão.
Este post acaba por ser uma análise semi-sociológica do fenómeno, não quer nem pode dar dicas do que quer que seja. Só me parece que, neste caso, a única solução será a assertividade no discurso, senão, não há saídas airosas...
E ao fim de uma vida em comum, acho eu que ninguém sai a ganhar...