Da crise, e do que se diz hoje
Hoje (e porque por duas horinhas fiquei sozinha, pelo que posso passar uma de volta do teclas), sinto-me inspirada pelo tema recorrente a alguns destaques: a crise. Já escrevi aqui a importância que o dinheiro tem na minha vida, que é pouca. E é sobre isso que o pessoal se vai debruçando quando fala na crise: do que é e não e importante, do contentar-se, não necessariamente com menos, mas com coisas diferentes (e essa é a grande virtude desta crise económica).
E acho recorrente uma coisa: todos exaltam a virtude de não ter créditos - neste discurso, a prestação da casa não se vê como um crédito, mas como uma necessidade, pelo que é como se não o fosse de fato.
Lê-se pouco de pessoas que assumam ter créditos e andem a subir paredes para não entrar em incumprimento, porque assumir isso é o equivalente a levar com a seca frase: não te metesses neles. Ou seja, a sentir-se culpado até a medula.
O que uns - os de dedo em riste - e os outros - os que são apontados - têm em comum e a falta de memória e a idade.
Acusadores:
20-30 anos
solteiros
casados sem filhos
(ou com um filho pequeno)
ou
idade >55 anos
Acusados:
idade: 30-50
casados
dois filhos (ou mais) de idades >12<25
Os uns
Claro que há exceções. Mas o normal é que as pessoas mais velhas, que passaram pelo antigo regime e se habituaram a poupar, e/ou passaram por necessidades que hoje mal imaginamos, nunca se tenham sentido atraídos pelo crédito fácil, e tenham estoicamente resistido ao dinheiro posto na conta sem ser pedido, a cartões de crédito a atafulharem a caixa do correio só-à-espera-de-ser-ativados, e todos os 'ataques' agressivos de creditarias que nos interrompiam o sono com chamadas a oferecer dinheiro.
Os mais jovens não tinham ainda idade (nem necessidade) de entrarem na roleta do dinheiro barato (em grande parte os pais fizeram-no por eles). Entretanto já avisados pelos sinais dos tempos refrearam-se um pouco, e não conseguem hoje entender por que cargas d'agua é que tanta gente 'vendeu a alma ao diabo' a troco de dinheiro. Ainda para mais porque uma vida em comum iniciada à pouco tempo ou um filho pequeno ainda não pesam o suficiente para lhes desenvolver empatia.
Os outros
Os que têm dívidas de créditos pessoais, de cartões de crédito, e mais o que vos ocorrer, entraram na roda livre um pouco atordoados. Não se previa qualquer crise. As pessoas acreditavam poder cumprir. Era um boom à americana que se antecipava: o dinheiro gerava consumo, o consumo gerava trabalho, o trabalho pagava as dívidas desse consumo. Até que uma das premissas da equação quebrou, e deixou de haver dinheiro para pagar o trabalho que pagava o consumo. E a bola de neve desse consumo já era impossível de travar, e as mensalidades continuaram a bater à porta, ou à caixa de correio, ou à conta bancária, na data e hora habitual, independentemente da situação profissional de cada um.
Salvam-se, de fato duas coisas boas desta crise: a geração seguinte não irá repetir os erros desta. As pessoas estão a descobrir que é possível
substituir o verbo ser ao verbo ter
(mas como o ser humano tem memória curta, quando as vacas voltarem a engordar, esquecem a importância do 'ser', como já aconteceu através dos tempos)
E por ora, as famílias vão continuar a abrir falência para poderem sobreviver.
O mileurismo cá em casa também funciona para três. Mas para quantas famílias não chega nem para pagar as despesas?
Todos deveriam pensar nisso antes de serem simplistas, redutores, e antes de olharem a floresta sem pararem para pensar que é composta por (muitas) árvores.