Exaustão, será a palavra certa? Não há nenhuma mais contundente?
Fim de tarde e noite - até às 23h - passada entre batas às riscas fininhas azuis e brancas, todas brancas com o estetoscópio atravessado na nuca, scrubs brancos e 'azul safira'(?) 'verde turquesa'(?) (juro que nunca consigo classificar aquela cor), e batas amarelas. Gemidos, gritos, ai mãezinha mãezinha por uma senhora cuja progenitora já deveria ter partido há mais de uma década, mas que continuava a ser invocada. Um surfista com uma queda mal dada, colar cervical e namorada por companhia, dois putos sem noção do que podia estar em cima da mesa. Uma mulher que toma valium diluído em um tudo-nada de água a arrepiar-se com o sabor - arrisco um 'se tapar o nariz, às vezes ajuda'. Meto uma palhinha na garrafa de água da senhora que chamava pela mãe tenho medo de me engasgar..., e levo-lhe a palhinha à boca, e ela bebe a olhar para mim enquanto o faz, quase com ar de criança, entre o surpreendido e o agradecido, e no final, depois de ter inserido a palhinha no celofane e lha colocar ao lado da garrafa, sobre a sua almofada, me dirige um terno 'muito obrigado minha senhora', que me deixa um bocadinho atordoada, válhamosanto que agora é que se acabou de vez o menina. Um rápido olhar dirigido ao espelho - as olheiras a ultrapassarem claramente as maçãs do rosto, a total ausência de qualquer tipo de maquilhagem, a roupa que quando vesti ainda assentava tipo 'é c'umó'utro, escapa' que agora fazia um pneu mais acima do habitual, tal e qual como se tivesse dois pares de mamas, sem tirar nem pôr - ter-me-ia dito sem palavras 'aí tens, senhora até é um elogio'.
O 'meu doente', de quem eu era acompanhante oficial, quedava-se sentado numa patética cadeira de rodas que só tinha apoio para um dos pés, e esperava pelo enfermeiro chamar para as análises e o TAC, depois de ser visto por um médico amoroso que devia andar medalhado com a indicação médico #1, que faz mesmo-mesmo-mesmo acreditar nestas pessoas que trabalham pelos outros. Depois as análises, feitas por um enfermeiro dedicado e brincalhão (sim, há enfermeiros brincalhões nas urgências!) e depois o transporte para a sala de TAC por um maqueiro que conversava com o meu doente ' S.B., já cá esteve, não já, o seu nome e cara não me são estranhos'..Seguiram-se três horinhas à espera de resultados, e eis senão quando o médico nos procura e, para encurtar, voltámos lá hoje. Saímos de casa às oito, saímos do HGO às 11:30h, deixando o S. internado para amanhã refazer a nefrologia, e estando prevista a alta para mais tarde.
Está provado que a gente não se habitua nunca a estas situações -
e no dia em que nos habituassemos,
se tal fosse possível,
estaríamos muito mais perto
das bestas que dos homens...