...desculpem qualquer coisinha...
Resolvi dar uma volta pelos blogues a que vou às vezes, e a que já não ia há algum tempo. Entre eles, o da amiga Sofia, onde tropecei num post que me deixou assim como os gatos zangados, pelo hirsuto, pupilas dilatadas e orelhas em ‘V’, para trás… o tema era, ainda, o referendo, e a Sofia, em http://blogseve.blogs.sapo.pt/88986.html, comentava um texto de alguém que defendia o ‘sim’, comentário que me pareceu redutor, e que me custa a encaixar, como escrevi no final do meu comentário, que não consegui segurar, e que escrevi de um fôlego: “custa-me acreditar que em 2007, uma pita mais ou menos da minha idade não consiga ver que todas as moedas têm dois lados” . Estou, por isso, a transcrever o que escrevi, convidando todos a lerem o post cujo link está atrás.
“Pois é, minha querida, contra o aborto somos todos.
Mas mais veemente de que o relato que citaste no blogue, será o daquela mãe com 3 filhos, sem instrução, que lava escadas para ganhar uns trocos que esconde para o marido não gastar no café - sim, que agora as tavernas vão escasseando - nos copos. O mesmo que chega a casa alcoolizado dia sim dia sim, tantas vezes para lhe chegar ‘a roupa ao pêlo‘, depois de ela ter feito das tripas coração para ter os putos na cama antes de começar 'o baile' do costume que ela cala, por vergonha das vizinhas, e acreditando que os filhos não sabem, nem ouvem. E que decide que não quer mais um a passar pelo mesmo, porque o dinheiro que consegue nem alimenta os três que tem, e que andam com roupas desconfortáveis e apertadas, porque a massa não chega, nunca chega, para lhes dar o mínimo que sabe que merecem...
Exagero, cliché, Sofia? Eu acho que quem defende o NÃO assim, sem reservas, devia perder algum tempo a fazer voluntariado no país verdadeiro, esse país que achamos que só existe para os anúncios e para as telenovelas, mas que é tão real, Sofia, que até dói.
E sim, Sofia, caem mesmo lágrimas…
Sou contra o aborto, mas a favor da despenalização. E votei um imenso sim, porque é preciso. Porque não devemos ter a arrogância de acreditar que a nossa razão é a certa. Porque entre o Preto e o Branco há uma miríade de cambiantes de cinzento. E não existe UMA verdade.
Desculpa o desabafo. Mas custa-me acreditar que em 2007, uma pita mais ou menos da minha idade não consiga ver que todas as moedas têm dois lados…”
Essa é a minha opinião. Não vou passar ao lado dos casos que resultam num encolher de ombros que um aborto químico sem complicações vão surgir, e que vão adormecer consciências que, na toma de um comprimido nem vão querer pensar que estavam de facto grávidas… mas esses casos, passam pelo que defendo no post anterior, e não me vou repetir.
Não embandeirei em arco, não fiz caminhadas para o Sim, não vesti T-shirt, não andei de autocolante, não distribuí panfletos, não participei em debates nem em sessões de esclarecimento (coisa que até os meus putos estranharam, habituados que estão a ver-me engajada de corpo e alma nas causas que defendo), porque acho que o voto reflectia uma convicção profunda, que se deveria querer enraizada. E sobretudo, serena.
O final, conhecemos todos.
Continuo a desejar viver num mundo em que todos façam do planeamento familiar uma prioridade, e em que não existam realidades como a que menciono. Em que a decisão de interromper uma gravidez não seja tomada de ânimo leve, e que a consciência não adormeça. Um mundo em que quem não quer descartar a hipótese de dar vida à vida que transporta dentro, o possa fazer, sabendo que é possível um encaminhamento do bebé para uma adopção célere e descomplicada. E que, mau grado o virar de costas da família, existem lares de acolhimento onde poderá encontrar formas de se inserir ou re-inserir no mercado de trabalho, enquanto espera o parto.
Mas esse mundo não existe.
Pelo menos por enquanto.
E enquanto esse mundo não chega, levantemos um nadinha o fardo que tantas transportam, e confiramos às tantas marias deste país um pedacinho da dignidade que pouco conhecem, sem erguer o nariz, nem olhar para o lado.
Em nome da dignidade humana, e dos valores humanos que, acredito, defendemos.
Fátima