Falta de memória...
Lembro-me do dia 25 de Abril de 1974; foi um dia cinzento, e perto da hora do almoço, estando eu a brincar na rua na companhia de outra criança, a minha mãe chamou-me para dentro, apreensiva. Ao sentir essa nota de insegurança, indaguei o porquê de não poder estar a brincar na rua, ao que ela me respondeu: “não sabemos como isto vai correr, há uma revolução, não é seguro”. Conhecia aquele temor, que tinha também sentido na voz da minha avó um ou dois anos antes, quando alguém à mesa do almoço falou
Seguiu-se a euforia pós revolução. Acompanhei isso de perto, porque a minha mãe tencionava escrever um livro com um relato sobre a mesma, tendo reunido toneladas de material, desde gravar os noticiários pela rádio, jornais, e tudo o mais que pôde. Por isso este período da nossa história me está tão presente, guardado que está desde os meus de 6 anos.
Entretanto os anos passaram, e a memória de todos os que lutaram, estiveram no exílio ou presos, para que tivéssemos direito a usar o nosso sentido crítico e a nossa voz para protestar contra o que achamos errado, foi-se diluindo em meio às telenovelas e aos Reality Shows que nos entopem os 3 principais canais portugueses, o discernimento e o sentido crítico.
Por isso, ninguém acha estranho ou anormal que a GNR carregue sobre um grupo de indivíduos que exercem o seu direito de greve como forma de protesto, direito consagrado na nossa Constituição. Nem ninguém se revolta com as demissões sumárias daqueles que ousam tecer um qualquer comentário depreciativo sobre o Sr. Sócrates e o seu governo, ou fazem uma graçola sobre o assunto.
Tudo normal, portanto, para os habitantes deste país à beira mar plantado, que assobiam para o ar sem descolar o olhar da nova telenovela da RTP, SIC ou TVI, aproveitando os intervalos para folhear a Caras, a Vip ou Flash, a Nova Gente, a Tv7dias, a TV Mais, a Tv Guia… e que se deitam para passarem o dia seguinte embotoadamente amorfos, ávidos de comida pré mastigada que possam engolir sem necessidade de raciocinar. Repasto que lhes é servido em doses maciças pelos media, subservientemente tão bem treinados para ter em vista os números, dos lucros e das audiências.
E assim caminhamos para trás, num retrocesso anunciado com a vitória do ‘nosso grande’ ditador naquela coisa que diz que é uma espécie de concurso, e que o nosso Primeiro, cioso que é do seu papel em que lhe cabe fazer a vontade de quem o elegeu, se apressou em personalizar e tornar real.
E assim recuamos, nós e mundo, murmúrios que os há do retorno da ‘Guerra Fria’. Caso para dizer que não seremos os únicos a olhar para o lado e a assobiar para o ar…
Pela minha parte vou tentando agir profilacticamente, conversando com os meus infantes sobre o “Estado da Nação” e do mundo, de forma a exercitar-lhes o raciocínio e o juízo crítico, para não se engajarem em rebanhos acéfalos, e embandeirarem em arco por lutas que não são as suas. Para que o futuro, aquele que eles e os filhos deles vão construir, seja um futuro participado, activo, em que a valores como a liberdade e os direitos humanos sejam o B-A BA de uma sociedade democrática e justa onde ‘cidadania’ deixe der ser uma palavra, e passe a ser uma atitude.
Fátima
P.S.: Não, não sou de esquerda. Nem de direita. E entre uma e outra coisa, neste momento as fronteiras vão estando cada vez mais esbatidas… só acho que a politica deveria ser participada por todos aqueles cuja vida ela influencia: todos nas, afinal. E quando chegamos à conclusão que todo o panorama politico nacional é, tão só e apenas mais do mesmo, haverá, com certeza, alguma coisa que precisa de se feita. Não sei o quê, mas se pensássemos todos nisso, se calhar éramos capaz de descobrir…