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Diário de uma "dona de casa" 2.0

... à beira de um colapso

Diário de uma "dona de casa" 2.0

... à beira de um colapso

Ter | 11.03.08

Em estado de choque

Fátima Bento

Hoje foi o segundo dia da apresentação do musical na escola da minha filha. E palavra de honra que se EU não estivesse lá, e se EU não estivesse a ver e ouvir, NÃO ACREDITAVA.

 

Então a coisa desenrola-se da seguinte forma:

 

Começo por me apresentar, e depois explico que a obra, de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, começou pelo filme seguido da edição do album, e daí passou por algumas representações até chegar às mega produções em palco de agora. Logo a seguir passo o clip tipo-trailer do filme. Nesta altura, digo que quem aparece a cantar é Judas. Viro-me para o computador para pôr o clip (que segue abaixo, que vocês também são gente :o)) e oiço "quem é Judas?" mesmo quando estou a dar enter. Fico desconfiada: até que ponto é que os outros 69 alunos teriam a mesma dúvida?...

 

 

 

 

Então, quando o clip acaba, digo "não era bem esta ideia que vocês faziam da obra, pois não?"

Não, abanam as cabeças. E atiro: "ok, sabem quem foi Judas..." Oiço uns não verbalizados , vejo umas cabeças a agitarem-se em negativa, e reparo nuns olhos esbugalhados.

Fico li-te-ral-men-te de boca aberta.

"E Jesus? Vocês sabem quem foi Jesus, não sabem?", lanço, a roçar o desespero. Soterrada dos nãos do Judas, o silêncio e uns olhares reticentes deixam-me espaço para traduzir por um "mais ou menos" desesperado, porque eu não acredito que não saibam! Mas à cautela, acrescento: "é aquele que nasceu no Natal, lembram-se?"

"No Natal?"

Não, não foi a gozar: era uma dúvida genuína, a qual eu atropelo sem olhar para trás, aflita com o cenário. Sigo a apresentação, e ainda digo duas vezes "isto é muito difícil, sem vocês perceberem o contexto, sem saber quem é quem..." Judas traíu Cristo. Judas era um dos doze Apóstolos dele. Discípulos. Amigos e seguidores" - socorro, como é que eu descalço esta bota? Vou ter de recuar até ao nascimento? OK, recuo. "Jesus nasceu para morrer na cruz aos 33 anos. Ou seja, Jesus era assim um bocadinho como a pescada que antes de ser já era"... arranco umas gargalhadas - eu por mim, estou toda escangalhada a rir por dentro, onde é que eu fui buscar esta, tinha de sair disparate para aguentar os factos, certo? Vejo uma professora a olhar para mim estarrecida. Coitada, já não lhe bastava lidar com isto, vem a Presidente da Associação de Pais dizer barbaridades e blasfémias!

Sigo com a dança. Faço a apresentação até ao fim, e até parece que consigo atrair o interesse de alguns miúdos em ir ao Politeama.

Estou cansada quando a sala fica vazia. Tenho uma pausa de entre dez e quinze minutos antes do segundo grupo, para digerir a coisa. Tento dizer-me que foi uma excepção, mas nem começo, que não me convenço.

Entra o segundo grupo, e começo da mesma maneira. Só que desta fez faço umas perguntas antes de pôr o clip. Uma aluna viu o filme(!!!), por isso está mais ou menos por dentro da coisa - no final oiço-a dizer às amigas eu não faço questão, mas a minha mãe quer ir, por isso também vou.

Pergunto se sabem quem é Jesus, "o que nasceu no dia de Natal, sim?" "Tem a certeza?" hummmm??? Parece que há quem perceba um boadinho disto. Uma ilha num imenso oceano. Digo-lhe que pois, que tenho a certeza que Jesus nasceu, agora se foi no Natal ou não, é discutível "tenho as minhas dúvidas" remata. Já ouvi aquela teoria de muitas bocas, já sem de onde vem: Testemunhas de Jeová. Por isso não encorajo, apesar de me agradar a postura do moço, que sabe do que está a falar. "OK, mas vamos partir do princípio que foi no Natal." Aquiesce. O oceano dá mostras de estar por fora da conversa. Passo o clip, e mais coisa menos coisa faço a mesma apresentação. Quando chego à parte em que passo o segundo clip, o de "Gethsemane (I only want to say)", destaco o facto do mesmo apresentar Jesus como um homem, cheio de dúvidas e agústias, a pedir ao pai, deus, para o poupar. Digo-lhes que se calhar não estão para ver o clip, pergunto se querem passar adiante, "vá lá, braços no ar". Espantosamente, os sim são poucos (mas uma professora levanta o braço e aiaiaiaiaiai, que temos a burrinha mesmo-mesmo a chegar às couves...). Uma mocinha pergunta-me quanto tempo tem o clip "4 minutos", respondo. "Ah, então queremos! Ponha!" Acedo, meio espantada. E levo a apresentação até ao fim, que acabo 10 minutos antes do previsto. Alguns ficam com pena de acabar (?!?!?) por isso digo que quem quiser pode sair, que eu fico ali, se quiserem falar comigo. Falo com meia dúzia de alunos, e depois de saírem arrumo meticulosamente mesas e cadeiras, desmonto os aparelhos, fecho a cortina de palco - que não uso, falo sempre do chão - e desligo o quadro.

 

Saio.

Venho para casa com a falta de cultura de bases destes miúdos a martelar-me os miolos. É esta geração que daqui a 10 ou 15 anos nos vai governar. O sangue até me gela nas veias.

E de quem é a culpa? Dos pais.

Pelo menos no Natal e/ou na Páscoa, podiam falar do que é o cristianismo, dar uma explicação levezinha, assim toca e foge, por uma questão de cultura geral! É que este é um tema que não podem estar à espera que seja dado na escola, alguma coisa tem de vir de casa! E sim, é possível ser ateu e fazê-lo, passar os factos sem arabescos, ligando-os a uma religião da qual não comungamos a ideologia.

 

E depois é ver os adultos de hoje, de agora, a dizerem que esta geração não tem valores. Pois não, porque os que o dizem se esqueceram que essa é uma missão que lhes cabe, e que não cumprem!

Bolas, é que assim, caramba, até pensei que mais vale acreditar em deus, só para lhes passar alguma coisa, só para fugir a este mesmismo de mais de 100 alunos que não podem acreditar em deus pura e simplesmente porque ninguém lhes explicou o conceito.

 

Nem 8 nem 80!

Fátima

 

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